Durante toda a sua infância não conseguia dormir direito. Mãe tem uma mãozinha alisando meu cabelo! Sua mãe ia ao quarto dele, acendia as luzes e lhe mostrava que não havia mãozinha nenhuma; após a visita de sua mãe aquela estranha forma desaparecia e somente na noite seguinte reassumiria o seu posto junto à cabeceira da cama da criança.
Conta-se que anos antes, naquela casa vivera uma senhora que recebia seus netos todos os finais de semana com biscoitinhos e chocolate quente. Dona Terezinha, uma vovozinha carinhosa, ótima mãe e esposa. Seus netos,um casal de gêmeos passaram a visitá-la com frequência após a morte de seu marido.
Terezinha se considerava feliz, afinal até no último suspiro seu marido falou que a amava. Seus filhos eram atenciosos e os netos umas gracinhas, como ela falava. Jane e Lucas esses eram os nomes de seus filhos; Matheus e Clara, os netos. Podia morrer em paz para encontrar "seu velho" além, pois havia sido uma boa jardineira no jardim da vida, cultivou lindas flores.
Um final de semana foi diferente... Viagem em família, filhos nora, genro e netos, todos rumo ao litoral. Dia de praia, sol, água salgada a banhar o corpo... Na volta uma festa dentro do carro, todos falando ao mesmo tempo e rindo das lembranças recentes do dia. Mas em direção a eles um caminhão com um motorista que dirigiu a noite inteira e se manteve de pé durante o dia sob o uso de drogas. O corpo já não aguentava mais, os olhos estavam pesados. Chegou ao limite e acabou dormindo sobre o volante e não viu que a sua frente vinha uma família inteira.
Terezinha acordou três dias depois numa UTI, o corpo todo doía e uma angústia em seu peito piorava ainda mais a situação. Como estão meus filhos, meus netos, minha nora e meu genro? As lágrimas corriam dos olhos de um corpo sem forças.
Duas semanas se passaram, ficou como sequela do acidente: no corpo, uma perna quebrada, na alma, a tristeza infinita de uma mãe sem filhos, uma avó sem netos. Sua recuperação foi lenta, mas Terezinha não queria melhorar. Morte em vida. A família que lhe restou era distante, sobrinhos, primos e uma velha irmã. Retornou à casa onde viveu dias felizes e que agora era cinza e triste. Não falava, mal comia e nunca mais saiu à rua. Os parentes mantinham, por caridade, uma enfermeira no local para tratar dela. Emagreceu muito, passava horas sentada olhando para o nada.
Um dia começou a cantar alto, parecia feliz até. Cantou, cantou e depois teve uma crise de choro e gritos de dor. Essas crises duraram meses, todos os dias cantava músicas antigas, jingles de comerciais e depois desabava como chuva após um dia de sol.
Chegou a ser internada, mas morreu poucos tempo depois e a casa foi vendida a fim de custear os gastos médicos e funerários com ela.
A casa reformada, sem o cinza da tragédia que assombrou aquela pobre idosa até o fim, agora abrigava uma família com pai, mãe e filho, todos felizes. Terezinha não descansou em paz, atormentada pela saudade, morreu tristonha. Talvez seja dela a mão que afaga o menino enquanto dorme, na tentativa de deixar fluir de si o amor contido... sem que ninguém havia para o receber.
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